quarta-feira, maio 17, 2006

Contas 2005 - Declaração

Em Setembro de 2005, na preparação das eleições autárquicas e na sequência da análise então efectuada às contas do município, o Bloco de Esquerda chamou a atenção para a dificílima situação financeira em que se encontrava a Câmara da Maia e publicou inclusivamente um estudo onde, de forma clara e nunca seriamente contestada, justificava as suas preocupações e o alerta lançado.

Não obstante o óbvio, durante toda a campanha eleitoral, e ainda mesmo hoje, a direita, e muito particularmente executivo camarário e o seu Presidente, teimaram e teimam em tapar o sol com a peneira, recusando-se a reconhecer a desastrada e irresponsável política que conduziu a Câmara a tão difícil situação e pretendendo sustentar que tais dificuldades não passam de um doentio imaginário da oposição.

O documento intitulado “Prestação de Contas e Relatório de Gestão” ora em apreciação e deliberação por esta Assembleia, cita, a páginas 10, Demóstenes, dizendo que “As palavras que não são acompanhadas de factos não servem para nada”!

Não sabemos exactamente em quem pensava o autor, ou autora daquela página ao citar Demóstenes – estamos em crer que não estaria a referir-se exactamente àqueles a quem pensamos nós que a citação se adapta que nem uma luva – mas se os Senhores Deputados se deram na trabalho de ler a encomiástica “ Breve Nota Introdutória “ que precede aquela frase convirão que não poderia ter melhor epílogo. Assim como não poderia ter melhor epílogo uma leitura comparada das Contas que ora nos são presentes e do Orçamento que as precedeu!

A Prestação de Contas e Relatório de Gestão é um documento que, como decorre da sua própria designação, testa e mede a qualidade dos responsáveis pela sua prestação. Mais que saber da bondade dos números, ao analisar e votar tal documento os Deputados Municipais devem avaliar as discrepâncias entre o prometido e o cumprido, entre o orçamento e a sua verdade.

Como bem se refere a páginas 97 do documento, no capítulo Conclusão, e passamos a citar, “O relatório de gestão de uma gerência pode ser um valioso instrumento de tomada de decisões, na medida em que revela um importante documento de reflexão, pelo confronto entre as intenções dos eleitos locais projectadas e os valores efectivamente alcançados”.

E mais ainda: “O orçamento só será um eficaz instrumento de gestão se as receitas e as despesas previstas apresentarem um elevado grau de realização. Caso contrário as potencialidades desse documento como instrumento de planificação serão reduzidas.”

E ainda: “Isto obriga a dizer que um bom planeamento deve assentar sempre em projecções realistas, não sobreavaliando as receitas nem subavaliando as despesas, procurando sempre um ponto de equilíbrio na programação financeira”.

Ou seja, e em conclusão, reconhece o próprio autor do texto que não faz sentido falar de Prestação de Contas sem falar de Orçamento. Não faz sentido dizer o que se fez sem nos reportamos ao que nos tínhamos proposto fazer. Falar de Contas sem falar de Orçamento é falar de coisa nenhuma. Portanto, iremos falar de ambos.

Mas antes de lá chegarmos, e a talho de foice, gostaríamos de convosco compartilhar a seguinte interrogação: O que leva quem assim escreve, e pensamos que terão sido os técnicos do respectivo sector, responsáveis tanto pelo presente documento como pelo Orçamento que o precedeu, a pactuar, reiteradamente, com os fantasistas orçamentos que nos são apresentados? Ignorância? Não cremos. Incompetência? Também não nos parece. Medo? Cremos que sim. E também subserviência, falta de brio e dignidade profissional.

Não podem, e não devem, os técnicos deste sector, como não o podem ou devem os de qualquer outro, pactuar com ordens e orientações que belisquem grosseiramente a sua competência e dignidade profissionais, que gerem expectativas infundadas e irrealizáveis a terceiros, que falseiem a transparência e rigor a que devem obedecer todos os actos da gestão autárquica, emanem tais ordens ou orientações seja ele donde for. Sabemos que resistir, principalmente nos tempos de hoje, não é fácil. Mas, c’os diabos, estamos a falar de técnicos superiores!!!

Posto isto, e entrando mais detalhadamente nas Contas, a primeira constatação que emerge é que, mais uma vez, a receita arrecadada no montante de 62 milhões de euros se ficou muito aquém da fantasiosa verba de 114,4 milhões orçamentada para 2005, correspondendo a um grotesco desvio de 46% em relação ao previsto. De quase meio por meio. Performance de que se envergonharia qualquer iniciado em planeamento financeiro. Motivo de despedimento por incompetência em qualquer empresa do mundo. Razão para corar de vergonha, caso a tivessem os seus responsáveis!

No estudo da situação financeira que o Bloco fez em Setembro de 2005, o Bloco afirmava, e demonstrava, bastando-lhe para tanto os documentos disponíveis dos anos precedentes, que não havendo receitas extraordinárias como as da antecipação das rendas, ou recurso ao crédito bancário, dado que a Câmara já não dispunha de capacidade de endividamento a médio e longo prazo, a receita estabilizada da Câmara rondaria os 60 milhões de euros, como agora se confirma.

Como compreender então que não obstante o óbvio, não obstante conhecerem os responsáveis pela elaboração do orçamento de 2006, à data da sua elaboração, dados já muito próximos dos reais referentes a 2005, que apontavam para uma receita naquele exercício de 62 milhões de euros, como compreender, perguntamos, que tenham elaborado novo orçamento para o ano em curso que prevê uma receita de 118,7 milhões de euros, isto é, 90% superior?

Prosseguindo.

Releva-se no texto, a páginas 13, o grau de execução da chamada receita corrente dizendo-se mesmo que é de anotar “os excelentes níveis de execução daquela rubrica” que rondaram 92%, guardando-se para a apreciação da receita de capital um lacónico, e passamos a citar, “…o que não acontece nas receitas de capital”.

Ora, como bem sabe quem minimamente conhece estas matérias ou a elas tem alguma sensibilidade, falhar na previsão da receita corrente - ou da despesa corrente, acrescentamos nós - é quase como falhar no euromilhões ao domingo, ou seja, depois do sorteio de sábado.

A receita corrente, dependente fundamentalmente ( em 70% ) dos impostos, tem séries históricas suficientemente sólidas para um previsão rigorosa e não coloca, salvo qualquer revolução legislativa, qualquer dificuldade mesmo a um iniciado.

A despesa corrente, por sua vez, reportando-se a salários e a fornecimentos e serviços prestados por terceiros ( ambas, representam 97% daquela rubrica ) também não coloca qualquer dificuldade.

Portanto, elogiar o acerto no óbvio não faz qualquer sentido.

O verdadeiro teste de competência e seriedade de um responsável orçamental está exactamente em acertar naquilo em que este Executivo falhou redonda e, diga-se até, ridiculamente: na previsão da receita de capital. Ora, nesta matéria, para uma receita prevista de 57 milhões de euros o Executivo diz-nos nas contas que arrecadou 9,7 milhões de euros, ou seja, 17%.

Portanto, o disparate orçamental de 2005 - tal como o disparate orçamental de 2006 com o qual, a seu tempo, seremos confrontados - assume uma bem maior expressão do que aquela que à primeira vista parece resultar dos números globais quer orçamentais quer da contas daquele exercício, sendo que esse já não é de pequena monta. O disparate orçamental mede-se justamente nesta incompreensível e ridícula discrepância entre a receita de capital orçamentada e a realizada , com uma previsão que excedeu 6 vezes, repetimos, 6 vezes o que foi realizado!

Como levar a sério, seja na previsão orçamental seja na prestação de contas, quem com esta leviandade age? E que, em vez de mostrar contrição, ainda se permite elogios?

Embora não o mereçam, nem os documentos nem os seus autores e responsáveis, e muito particularmente este Executivo, não deixaremos de sublinhar ainda mais algumas situações pelo seu caricato.

A páginas 15 pode-se ler mais esta pérola: “Dentro das receitas de capital, a rubrica de maior relevo é a de transferências de capital, sendo interessante realçar a não utilização de qualquer passivo financeiro, o que revela que o Município ao longo da gerência em análise, e para fazer face à despesa realizada, mobilizou a sua actividade no âmbito da autonomia financeira que lhe é intrínseca”.

Pese o barroco do discurso – compreensível em quem, como se evidencia ao longo de todo o texto, tentou servir a dois senhores, à técnica e à política, num exercício de manifesta impossibilidade e com afloramentos que roçam o risível – a sua ideia clara é transformar a não utilização em 2005 desse estranho conceito de receita, que é o do endividamento bancário, num acto de gestão responsável por parte da Câmara Municipal, ignorando, ou pretendendo fazer ignorar, que se a Câmara não recorreu ao endividamento bancário é porque não pode, é porque a sua capacidade de endividamento a médio prazo está esgotada há anos.

O que, pasme-se, é reconhecido lá mais para a frente, a páginas 36, num paragrafozito onde se lê que, e passamos a citar, “Perante as disposições legais existentes, não dispõe a Câmara Municipal da Maia de capacidade de endividamento de médio e longo prazo”.

É o que verdadeiramente se chama de tapar o sol com a peneira.

Mas nesta matéria o que interessa sobretudo fixar é o brutal nível de endividamento do município, que só à Banca atingia 78,4 milhões de euros no final de 2005 e que somado das dívidas a médio prazo a fornecedores, também elas no elevadíssimo montante de 37,4 milhões de euros, totalizava 105,8 milhões de euros!

Aliás, é curioso observar que esta rubrica “ Fornecedores de imobilizado” conheceu desde 2002, último ano em que a Câmara pôde dispor do acesso ao crédito bancário, um crescimento galopante, tendo mais que triplicado no período de três anos, passando de 12 milhões de euros no final de 2002 para 37,4 milhões de euros no final de 2005!

È caso para se dizer que os novos banqueiros do município passaram a ser os seus fornecedores!

É claro que conhecemos, e podemos antecipar, a resposta, aliás requentada, da Maioria a esta questão do brutal endividamento: Devemos, mas temos muito património!

È desde logo uma tirada, já quase um slogan, que não dignifica nada quem a pronuncia.

Está, além do mais, ao nível de um qualquer caloteiro!

Em segundo lugar, e contrariamente ao que afirma a Maioria, não é tanto assim o património que o município possa liquefazer para pagar as suas dívidas, muito particularmente aos seus fornecedores.

O Bloco deu-se ao cuidado de analisar o inventário do município à data de 31 de Dezembro de 2005 e concluiu que dos 413 milhões de euros nele referidos, 110 milhões, ou seja 25%, se referiam a infra-estruturas rodoviárias; 45 milhões, 11%, a terrenos; 58 milhões, 14%, a complexos desportivos e piscinas; 98 milhões, 24%, a habitações sociais. Estas rubricas somam 75% do inventário. As remanescentes são items residuais.

Perante este cenário, e dando por bons os valores apresentados, do que é de duvidar atento tudo o que se disse sobre a falta de rigor económico e financeiro que domina toda a actividade municipal, não vemos bem onde vai buscar a Maioria a pretensa folga. Com excepção dos terrenos, não vemos como liquefazer os restantes activos. As habitações sociais devem-se e resta saber se, colocadas à venda, alguma vez teriam o retorno que consta do inventário. Será que estão a pensar vender as estradas, os pavilhões e as piscinas?

Senhores Deputados

Como dissemos, apreciar as contas municipais é mais um exercício de confrontação entre a realidade que elas traduzem - e a realidade que era suposto traduzirem, com base no orçamento - do que a avaliação da bondade dos números, desiderato para o qual não dispomos sequer de elementos ou diligências, próprias ou de entidades por nós solicitadas, que de uma forma independente no-lo permitissem confirmar.

Apreciar as contas municipais é essencialmente um acto de juízo político entre o prometido e o cumprido. È um acto que visa avaliar a credibilidade dos seus autores e agentes. È de política que se trata e não de mera técnica.

E é justamente por isso que iremos votar convictamente contra estas contas porque elas reflectem, por um lado, a falência da capacidade de previsão e gestão deste Executivo, na tradição aliás dos que o precederam, e expressam, por outro, a da falta de respeito com que esta Maioria trata os que se lhe opõem, repetindo os mesmos grosseiros erros, não obstante saberem que são erros e grosseiros, apenas porque quem os denuncia é oposição.

Recorrendo de novo à única nota digna de registo do documento que vamos votar, a citação de Demóstenes, terminamos repetindo que “As palavras que não são acompanhadas de factos não servem para nada”!

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