quarta-feira, maio 17, 2006

AM - 2006 - Hospital

Senhores Deputados Municipais

Como começa a ser hábito, somos novamente confrontados pelo Executivo Camarário com uma proposta que, pela sua excepcionalidade, deveria ter sido objecto de fundamentação profunda, cuidada e precisa, mas que se limita a reafirmar aquilo que a Maioria parece ter como óbvio para si e que estranhará que o não o seja para os outros.

De facto, com base em dois simples, e não demonstrados, pressupostos – o de que estão já saturados os hospitais de referência existentes na área do Grande Porto (Hospital de São João e Hospital Pedro Hispano) e o de que pretensos indicadores demográficos, que não explicita, justificam uma nova unidade hospitalar - a Câmara Municipal da Maia propõe-nos que aprovemos, e com urgência, uma medida de carácter absolutamente excepcional, que é a da suspensão de um Plano Director Municipal, para consagrar uma medida ilegal à luz do actual Plano Director – a qual, dizem-nos agora, estaria acautelada nuns ditos “trabalhos de revisão do Plano Director” ( vide folha 5 da proposta ) - medida essa que destrói uma “Área verde de protecção ou parque” para nela instalar o dito equipamento.

Desde logo não se compreende que tendo o Executivo celebrado um designado (vide folha 4) “ Memorando de Entendimento” entre a Santa Casa da Misericórdia da Maia, a Câmara Municipal e o Consórcio constituído pela Real Seguros, o Grupo Português de Saúde, SGPS e a Mergarden, não acompanhe o mesmo a dita proposta por forma a que esta Assembleia possa melhor compreender os contornos do negócio e sobretudo o que tem a Câmara Municipal da Maia e os Maiatos a ganhar com o mesmo.

O primeiro passo que a Câmara Municipal deveria ter dado, atenta a sensibilidade que sempre comporta um negócio nesta área, com este volume e sobretudo envolvendo interesses públicos e privados, estes últimos seguramente com fins lucrativos, era ter tomado a iniciativa de convocar a Assembleia para o explicar com detalhe e não, como fez, guardar para si os pormenores no negócio limitando-se a exigir desta Assembleia que aprove o que àquele é necessário, sem mais explicações.

Só por isso, deveria esta Assembleia devolver a proposta ao Município, recusando-a, admitindo retomá-la caso venha fundamentada, designadamente com os termos do já citado “Memorando de Entendimento”.

Mas não se ficam por aqui os reparos que o Bloco de Esquerda tem a fazer a esta proposta.

Gostaríamos, desde logo, de deixar ficar claro o seguinte: O BE não tem qualquer “parti pris” quanto à intervenção da iniciativa privada na oferta de serviços de saúde. O que o BE defende é a existência de um Serviço Nacional de Saúde abrangente, de qualidade e gratuito para todos os portugueses, pobres ou ricos, cabendo aos portugueses depois fazer as suas escolhas.

Neste quadro, não compreende nem aceita o BE que o Estado, central ou local, em vez de concentrar as suas preocupações e recursos na melhoria do Serviço Nacional de Saúde desvie os seus minguados recursos para beneficiar a iniciativa privada! Porque é disso que se trata!

Com a operação em curso, iniciada como hoje bem se percebe com a dação em 97 do terreno em causa à Misericórdia, entidades privadas vão beneficiar de um substancialíssimo benefício que resulta da disponibilização de um terreno com mais de 40.000 m2 - como se depreende da afirmação a folhas 4 de que a área bruta de construção global de 30.000 m2 corresponde a 0,7 relativamente à área total do terreno - que de outra forma lhe seria muito difícil encontrar!

Esta cedência, além do mais, coloca as partes privadas envolvidas em clara posição de vantagem em relação àquelas suas congéneres que não têm acesso aos “canais adequados”, violando as normas de concorrência e de mercado que são tão caras a esta Maioria!

E também choca! Sobretudo quando nos lembramos das dificuldades com que os maiatos - aquela grande maioria que frequenta os depauperados Centros de Saúde da Maia e que jamais frequentará o hospital - se deparam todos os dias para terem acesso a uma saúde digna, assistindo agora à entrega de mão beijada de património da sua autarquia, que também é seu, para benefício de uns tantos!

Mas não se ficam por aqui os nossos reparos, Senhores Deputados.

Sem conceder na necessidade de conhecer os pormenores do negócio até agora escondidos, o BE considera que o enquadramento que moldura o projecto, apresentando-o como alternativa a hospitais públicos, integrados no Serviço Nacional de Saúde, quase como que se fosse um seu elemento integrante e extensão, é um enquadramento falso e manipulador, que visa apresentá-lo aos Maiatos como um bem de acesso público, quando não o é.

O hospital será privado. O hospital não se destinará aos maiatos. O hospital destinar-se-á aos Maiatos que o passam pagar!

O que é bem diferente do “produto” que a Maioria está a tentar fazer passar!

Mais: Não é preciso ser-se grande especialista para perceber que o hospital visa, quer com a Clínica de Ambulatório quer com a Unidade de Saúde Especializada, as componentes do negócio de saúde que hoje são mais lucrativas, perseguidas avidamente pelo sector privado, deixando de fora, naturalmente, e para o Serviço Nacional de Saúde, ou seja, para o bolso dos contribuintes, o que não lhes interessa.

Finalmente, e talvez o mais chocante: o negócio imobiliário, porque é disso que se trata no fundo, à volta das designadas residências para idosos. Para quais idosos, perguntamos nós? Para aqueles milhões de pensionistas portugueses, nos quais se inserirão seguramente a grande maioria dos pensionistas Maiatos, que auferem de reformas entre os 150 e os 500 euros? Seguramente que não!

È de todos conhecido o florescente negócio, de componente marcadamente imobiliária, que se gerou na Europa e se expande também agora em Portugal á volta das residências assistidas para idosos. E também é sobejamente conhecido que tais projectos na maioria dos países apenas são comportáveis para as classes de maiores posses. Nada temos a objectar quanto a isso. Apenas lamentamos que não se criem condições para as tornar extensivas aos mais pobres.

Mas justamente por isso, justamente porque entendemos que o Estado se deve preocupar sobretudo com os mais pobres, é que entendemos que o Estado não deve subsidiar seja a que título for iniciativas como a que aqui questionamos e destinadas aos que mais têm!

Por tudo o que dissemos, vão vemos, bem pelo contrário, suprida a exigência de circunstância excepcional e de inegável interesse público que a iniciativa deveria revestir como condição para que o PDM pudesse ser suspenso nos termos da lei.

Não há qualquer circunstância excepcional. Candidatos a negócios deste tipo não são seguramente excepção. O que é excepcional aqui é a generosidade municipal. E nessa exacta medida, deixou de estar pendente da circunstância. Não faltarão candidatos a qualquer momento!

Quanto ao interesse público invocado, não passa de uma má encenação, como se mostrou.

Haverá certamente interesse de algum público. Os de sempre. Mas não daquele público que a palavra sempre nos trás, a nós, do BE, à memória: a grande maioria do povo deste país que labuta dia a dia por um ordenado que lhe permita viver com um mínimo de dignidade!

Por isso votamos contra esta proposta e anunciamos que a ela nos iremos firmemente opor pelos meios ao nosso alcance.

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